O texto abaixo foi escrito pela leitora Mariana Drechmer. Agradecemos a colaboração e aproveitamos a oportunidade para informar a todos os visitantes que temos muito interesse em publicar seus artigos. Vale ressaltar que esse texto reflete apenas a opinião da leitora e não a dos editores do site.
Ao descobrir esse blog, e após ler os poucos textos que já o compõem, comecei a pensar no título “Letra de Médico”, com o adendo “- aqui todos se entendem”. Passei a refletir no porquê de os médicos serem famosos por sua caligrafia, que de cali (correto) não tem nada! E aí vai uma consideração aos farmacêuticos e balconistas de farmácia, que se desdobram para desvendar o mistério da receita médica.
Tudo na vida tem um porquê. E o que não tem, com certeza um dia terá. Por que os médicos escrevem em códigos?
A primeira hipótese que me vem à mente é a falta de tempo. Façamos a imagem: segunda-feira, 8h, pronto-socorro lotado, cheio de entorses de tornozelo e contusões lombares, cefaléias lancinantes e atestadites agudas. Número de médicos no local: 2. Número de pacientes por hora por médico: 30. Realmente não me parece viável escrever “Tome por via oral 1 comprimido 2 vezes ao dia”. Muito mais rápido seria: “Tome v.o. 1cp 2x/dia”, e, é claro, com uma grafia em que se leria qualquer coisa que parecesse mais agradável que tomar remédio.
Alguns até dizem que a grafia médica é aprendida antes dos estágios, nas famosas aulas de 2h30 de duração, com professores logorréicos e com vontade de esgotar o assunto que demoraram anos para compreender. Numa tentativa desesperadora de fazer valer a aula, e até por saber que pelo livro não vai dar pra estudar mesmo, as canetas correm nos cadernos, alucinadas. Às vésperas da prova, o caderno vira um belíssimo criptograma, cuja decifragem passa a ser objetivo de todos.
Recordo-me agora de um amigo, psicólogo, que me deu uma resposta coerente à minha pergunta. Segundo ele, nós sentimos insegurança. Temos medo de sermos julgados pelas nossas condutas. Quando se é claro, corre-se o risco de se ser excessivamente claro. E a partir daí, há espaço para argumentos em cima da decisão do “Dr. Médico”. Amigos, não é perigoso quando entendem aquilo que falamos? Porque, dessa forma, além de decidirmos a conduta, teremos que ter argumentos que a justifiquem! Significa que teremos que estudar mais, que nos aprimorar mais, e dessa vez não mais pensando no dinheiro ou no título.
Poderemos racionalizar agora. E é isso que a maioria dos médicos faz. Racionalizar. Negar. Somos os donos da verdade, e se não somos, um dia seremos. Na verdade, podemos não o ser na frente do professor-doutor, mas na frente do técnico de enfermagem... “Afinal, é muito fácil julgar-nos, não é mesmo? E as condições em que trabalhamos? E a pressão que sofremos, desde o dia em que decidimos prestar vestibular? E a autoconfiança que nos cobram? E a concorrência, então! Bom, no fundo essas pessoas que emitem essas opiniões queriam todas ser médicos. E o ato médico, dessa forma...”
Justificativas. Racionalizações. Se, entretanto, considerarmos que existe a possibilidade de o psicólogo estar certo, teremos substrato para fazer uma auto-análise – análise do ego, e análise da classe médica. Análise do que concordamos e daquilo que nos gera mal-estar. Análise do que queremos, e do que querem de nós. Análise do que consideramos cali, do que consideramos correto. A análise pode começar com a própria grafia.
Que médico você quer ser? Que médico você admira?